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Vetores da Inutilidade

Poesia, Atualidade, Crítica, Opinião, Artes e Cultura. Um blog por João M. Pereirinha

Vetores da Inutilidade

Poesia, Atualidade, Crítica, Opinião, Artes e Cultura. Um blog por João M. Pereirinha

OS SENHORES DA GUERRA

Foto: Económico

 

Os "Senhores da Guerra" reuniram, e decidiram, numa mesa redonda, de fato e gravata, e botões de punho: que irá chover chuva ácida sob a forma de bombas, largadas por anjos da morte de cinzento pálido, por fim a trucidar toda a forma de vida presente no chão. Um chão onde não há inocentes, onde não há danos colaterais, e onde não há notícias. Deixando em paz todo o alarme social, refreando os corações inquietos dos seus povos, comovidos pela desgraça que acreditam ser sua, e aliviados pela morte alheia que não lhes diz respeito.

 

Os "Senhores da Guerra", que provocaram esta, ao terem financiado a primeira, decidiram acabar com ela, começando uma nova. E parece que a única esperança que podemos almejar é que a Guerra, que nos parece tão distante, não se abata sobre nós.

 

Foi tão fácil um embargo a Cuba, à Argentina e, mais recentemente à Grécia durante dois meses. Mas o fluxo de armas, ódio e dinheiro que entra no conturbado Oriente - que há mais de cinco mil anos surge como a narrativa ameaçadora do povo Helénico - só se compara com o fluxo de vidas humanas que procuram abrigo, ou simplesmente fugir, de uma guerra que não é sua. Mas sim dos senhores de bandeira na lapela, e "cravate" ao pescoço.

 

A única bandeira que podemos usar é a do sangue derramado pelos inocentes - nós também, cada um à sua forma - apanhados no meio da ganância pelo poder e pelo lucro, entre catástrofes pouco naturais, quer pelos desastres do betão, quer pelos destroços das explosões. A origem, quer da morte lenta do planeta, quer da nossa própria trucidação mútua, é uma e a mesma. Nós, e a nossa incapacidade de lidar com a nossa insignificância.

O NEOLIBERAL TAMBÉM CHORA

Marcos Borga, Expresso, 10 de novembro 2015

 

Ontem, dia 10 de novembro de 15, PS, BE, PCP, PEV e o PAN votaram a favor da moção de rejeição e, 11 dias depois, terminou o XX Governo Constitucional. Embora tenha sido um dia histórico, a vários níveis, para a maturidade da Democracia e da República Portuguesa, ao ser firmado um acordo que uniu três partidos à Esquerda com fissuras e distâncias até então inquebráveis, houve outros factos que também merecem especial reparo e análise. Ontem também foi o dia em que, ao fim de 41 anos de Democracia, e depois do trauma que foi o 25 de novembro de 1975, a Direita portuguesa saiu pela primeira vez à rua para se manifestar, invadiu as redes sociais e a televisão com protestos, e utilizou “a voz do povo”, como argumento. Ao ler, ver e ouvir tudo o que pude, descobri nestes dois dias que:

 

- O neoliberal também se organiza, manifesta e vocifera na rua, à imagem dos repulsivos pasquins sindicais;

 

- O neoliberal também desabafa de forma piegas no feed do Facebook, à imagem dos malandros, desempregados e subsidiários radicais de esquerda e comunas subversivos;

 

- O neoliberal também chora e grita em nome do povo, pelo povo e com o povo, desde que esse utilize camisa, calças beje e pulôver às costas ou, quanto mais, à cintura;

 

- O neoliberal também tem uma visão pessimista da realidade, desacreditada das possibilidades de crescimento e força impulsionadora do país e da economia nacional, à imagem daquilo que aqueles repulsivos “velhos do Restelo” da esquerda sempre teimaram em afirmar na oposição durante quatro anos;

 

- O neoliberal acha ilegítima uma coligação parlamentar pós-eleitoral, porque só ele consegue avistar o abismo que será o segundo Orçamento de Estado. Porque afinal, segundo a análise e experiência do neoliberal (que se demitiu há dois anos), o país continua de tanga – apesar do trabalho ótimo que o neoliberal conseguiu no ajuste das contas públicas;

 

- O neoliberal afinal acha que os serviços de transporte municipalizados e gratuitos de certas cidades são fundamentais e essenciais, embora queira privatizar todos os outros;

 

- O neoliberal acha que tudo isto é um desastre, mas passou quatro anos a dizer que a crise era uma oportunidade;

 

- O neoliberal acha que todos podem brincar à democracia, mas como a bola é dele, quando ele não brinca ninguém joga;

 

- Por fim, o neoliberal, por norma, costuma tornar-se um intelectual do dia para a noite e, sendo multitask, faz as suas crónicas e registos à imagem dos comentários, análises e motivações que observou durante largas horas de estudo, a ver programas da sua área política como “A Quinta”, “Casa dos Segredos”, “Peso Pesado”, “Você na TV”, o tio Marcelo e o pequenino Ma(g)ques Mendes…;

 

- Mas a cereja em cima do bolo, é que o neoliberal acha que as mulheres do Bloco de Esquerda são umas galdérias histéricas que não sabem fazer a lida de casa, e por isso deviam ser varridas do parlamento, e talvez seja por isso que o acordo do PS se torna mais ilegítimo: porque junta comunas que comem crianças a mulheres que não cuidam delas.

 

Enfim, o pensamento do neoliberal ultrapassa-me, e ao mesmo tempo é fascinante. Porque segundo o neoliberal, revestido de uma sapiência incontestável e profunda, do alto da sua superioridade moral, e pese embora que “o país está melhor”: há um surto de doidice que assaltou dirigentes, eleitores e portugueses em geral, e quiçá até os mercados (caso estes não demonstrem já o seu desagrado). Visto que, segundo o neoliberal, todos os partidos são como o seu: traiçoeiros e matreiros oportunistas que nos conduzirão à desgraça após saciar a sua sede de poder! Afinal, o neoliberal também chora, quando o Parlamento, a Democracia Representativa e a República utilizam a Constituição em vez da Convenção.

ImagemMarcos Borga, Expresso, 10 de novembro 2015, Votação da Moção de Rejeição ao Governo.